Dia sim, dia não me flagro absorto em pensamentos saudosistas,
que me remetem a uma época na qual, apesar de não tão longínqua, o mundo parecia
incrivelmente diferente. Coisa de três décadas atrás, talvez. Pouco tempo,
historicamente falando. A impressão é que tudo, absolutamente tudo mudou com
relação àqueles dias e, salvo poucas e eventuais ressalvas – e é nesse momento
que insurge a nostalgia, de forma avassaladora e incontrolável – para pior. Por:
Cassio Giorgetti.
Em um contexto mais particularizado, é razão de enorme tristeza constatar,
por exemplo, como se desenvolve a infância no período presente. Confesso que
chega a doer a alma ver crianças e adolescentes confinados dentro de casas e
apartamentos, submetidos a uma domesticação involuntária, inertes na alienação
passiva promovida por laptops e computadores de última geração, acumulando
energia em seus corpos pouco saudáveis e impedidos de usufruírem devidamente da
etapa mais deliciosa da vida do ser humano. Algo difícil de se conceber para
aqueles que um dia cresceram livres, despreocupados, experimentando e inventado
brincadeiras que não dependiam de cabos, baterias, dispositivos eletrônicos e
tecnológicos para o seu funcionamento. Bastavam os sonhos e a criatividade.
Essas atividades se desenvolviam nas ruas, nas praças e nos terrenos baldios,
locais severamente desaconselhados nos dias de hoje, considerados impróprios
para o convívio de crianças, em virtude do sentimento patológico de insegurança
que acomete boa parte da sociedade.
Ainda com relação à infância, é igualmente estarrecedor perceber, na época atual, o quão rapidamente crianças e adolescentes se familiarizam com assuntos cujo acesso e conhecimento, há um par de décadas atrás, não se obtinha com tanta facilidade.
Nesse sentido, o sexo lhes é apresentado cada vez mais precocemente, encurtando a infância, antecipando o amadurecimento e transformando o comportamento de meninos e meninas.
No Brasil, a glamourização e a superexposição do sexo se difundem de maneira desenfreada não apenas nos sites e nas redes sociais, mas igualmente nos conteúdos apresentados pelos canais de televisão ou mesmo nas letras das músicas populares. O fato é que as telenovelas e os programas humorísticos veiculados no horário noturno, não há muito tempo atrás, produziam obras recheadas de refinado satirismo e aguçada crítica social. Nos dias de hoje, são espetáculos grotescos, de baixíssimo nível e qualidade vil, nos quais o erotismo e a sensualidade são recursos utilizados de forma pueril e fora de qualquer contexto artístico para atrair a audiência de uma categoria de telespectadores que cada vez mais toma gosto pela vulgaridade extrema. Da mesma forma ocorre com um tipo de música – se é que se pode assim denominar – muito em voga e cuja predileção prolifera majoritariamente entre crianças, adolescentes e jovens oriundos das comunidades de baixa renda por todo o Brasil. O funk, que absolutamente nada tem a ver com o ritmo dançante repleto de acordes invertidos e sincopados que ganhou notoriedade na voz do cantor americano James Brown, na década de 1960, despontou nos morros do Rio de Janeiro e se expandiu pelas metrópoles do país com letras degradantes e coreografias de conotação sexual explícita e ofensiva, que rebaixam, subjugam as mulheres ao último nível do desrespeito, denegrindo-as e tratando –as como objetos descartáveis.
Deixo claro que esse argumento não se propõe a apelar ao falso moralismo ou ao conservadorismo barato. Não sou a favor da censura, sob nenhum aspecto, mas sou igualmente contra a propagação deliberada de materiais que em nada contribuem para o enriquecimento educacional e cultural do público infanto-juvenil. A submissão permanente de crianças e adolescentes ao lixo repulsivo oferecido de maneira irresponsável pela indústria do entretenimento no Brasil é algo preocupante, de relevante gravidade e alvo de pouca atenção por parte dos governantes.
Sob tais circunstâncias, os jovens tendem a se apropriar das informações relacionadas ao sexo de forma inconsistente e desorganizada. Sem a devida orientação, que outrora cabia a pais, parentes ou professores e não à televisão e à Internet – o sexo se transforma, literalmente, em uma desavisada brincadeira.
O resultado disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, se reflete em dados divulgados no ano 2013, os quais apontam que, entre os anos de 2011 e 2012, 8.300 bebês foram gerados por crianças, adolescentes e jovens mães na faixa etária dos 10 aos 19 anos, o que corresponde a 31% do total de partos realizados nos hospitais do Sistema Único de Saúde do Brasil durante esse período. Assim, com o nascimento de uma criança, decreta-se prematuramente o encerramento da infância e o desaparecimento da inocência de outra criança.
Sinto saudades do passado, assumo. Mas, em certas ocasiões, guardo certo orgulho de minha convicção, ao recordar com nostalgia, por exemplo, o tempo em que os filhos das crianças e dos adolescentes brasileiros eram bonecas de pano, e não bebês de carne e osso.
*Sociólogo, autor de varios libros entre ellos "O Outro Lado Da Noite"
Fonte:http://sur1810.com/nota/7166/quando_as_bonecas_eram_de_pano/
Obrigada querido por permitir postar seu artigo na Literatura
Beijos!!
Ainda com relação à infância, é igualmente estarrecedor perceber, na época atual, o quão rapidamente crianças e adolescentes se familiarizam com assuntos cujo acesso e conhecimento, há um par de décadas atrás, não se obtinha com tanta facilidade.
Nesse sentido, o sexo lhes é apresentado cada vez mais precocemente, encurtando a infância, antecipando o amadurecimento e transformando o comportamento de meninos e meninas.
No Brasil, a glamourização e a superexposição do sexo se difundem de maneira desenfreada não apenas nos sites e nas redes sociais, mas igualmente nos conteúdos apresentados pelos canais de televisão ou mesmo nas letras das músicas populares. O fato é que as telenovelas e os programas humorísticos veiculados no horário noturno, não há muito tempo atrás, produziam obras recheadas de refinado satirismo e aguçada crítica social. Nos dias de hoje, são espetáculos grotescos, de baixíssimo nível e qualidade vil, nos quais o erotismo e a sensualidade são recursos utilizados de forma pueril e fora de qualquer contexto artístico para atrair a audiência de uma categoria de telespectadores que cada vez mais toma gosto pela vulgaridade extrema. Da mesma forma ocorre com um tipo de música – se é que se pode assim denominar – muito em voga e cuja predileção prolifera majoritariamente entre crianças, adolescentes e jovens oriundos das comunidades de baixa renda por todo o Brasil. O funk, que absolutamente nada tem a ver com o ritmo dançante repleto de acordes invertidos e sincopados que ganhou notoriedade na voz do cantor americano James Brown, na década de 1960, despontou nos morros do Rio de Janeiro e se expandiu pelas metrópoles do país com letras degradantes e coreografias de conotação sexual explícita e ofensiva, que rebaixam, subjugam as mulheres ao último nível do desrespeito, denegrindo-as e tratando –as como objetos descartáveis.
Deixo claro que esse argumento não se propõe a apelar ao falso moralismo ou ao conservadorismo barato. Não sou a favor da censura, sob nenhum aspecto, mas sou igualmente contra a propagação deliberada de materiais que em nada contribuem para o enriquecimento educacional e cultural do público infanto-juvenil. A submissão permanente de crianças e adolescentes ao lixo repulsivo oferecido de maneira irresponsável pela indústria do entretenimento no Brasil é algo preocupante, de relevante gravidade e alvo de pouca atenção por parte dos governantes.
Sob tais circunstâncias, os jovens tendem a se apropriar das informações relacionadas ao sexo de forma inconsistente e desorganizada. Sem a devida orientação, que outrora cabia a pais, parentes ou professores e não à televisão e à Internet – o sexo se transforma, literalmente, em uma desavisada brincadeira.
O resultado disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, se reflete em dados divulgados no ano 2013, os quais apontam que, entre os anos de 2011 e 2012, 8.300 bebês foram gerados por crianças, adolescentes e jovens mães na faixa etária dos 10 aos 19 anos, o que corresponde a 31% do total de partos realizados nos hospitais do Sistema Único de Saúde do Brasil durante esse período. Assim, com o nascimento de uma criança, decreta-se prematuramente o encerramento da infância e o desaparecimento da inocência de outra criança.
Sinto saudades do passado, assumo. Mas, em certas ocasiões, guardo certo orgulho de minha convicção, ao recordar com nostalgia, por exemplo, o tempo em que os filhos das crianças e dos adolescentes brasileiros eram bonecas de pano, e não bebês de carne e osso.
*Sociólogo, autor de varios libros entre ellos "O Outro Lado Da Noite"
Fonte:http://sur1810.com/nota/7166/quando_as_bonecas_eram_de_pano/
Obrigada querido por permitir postar seu artigo na Literatura
Beijos!!